17 de maio de 2009

Morte e Vida Severina (poesia)!

Eu tava lendo ontem o poema “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto (não, eu não sou uma pessoa “eu leio poesia sempre!”).
Mas o texto apareceu na minha frente e resolvi ler.
É na verdade um auto de natal. Escrito como peça de teatro “para ser lido em voz alta” --> legal!
Ele fala de morte, esperança, vida.

Tava lembrando de quando eu ia pro colégio (uns anos atrás) e nos muros do Museu do Estado tinham trechos do poema, pintados.
Me acostumei com as partes escritas nos muros, mas... há muito mais do poema.

Uma das partes “famosas”:

"— Essa cova em que estás, com palmos medida,
é a cota menor que tiraste em vida.
— É de bom tamanho, nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe deste latifúndio."

Alguns outros trechos do poema (sei lá se famosos ou não):

“E se somos Severinos iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual, mesma morte severina:
que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença é que a morte severina
ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).”

“— Trago abacaxi de Goiana e de todo o Estado rolete de cana.
— Eis ostras chegadas agora, apanhadas no cais da Aurora.
— Eis tamarindos da Jaqueira e jaca da Tamarineira.
— Mangabas do Cajueiro e cajus da Mangabeira.
— Peixe pescado no Passarinho, carne de boi dos Peixinhos.
— Siris apanhados no lamaçal que há no avesso da rua Imperial.
— Mangas compradas nos quintais ricos do Espinheiro e dos Aflitos.
— Goiamuns dados pela gente pobre da Avenida Sul e da Avenida Norte.”


“— De sua formosura deixai-me que diga:
É tão belo como um sim numa sala negativa.
— É tão belo como a soca que o canavial multiplica.
— Belo porque é uma porta abrindo-se em mais saídas.
— Belo como a última onda que o fim do mar sempre adia.
— É tão belo como as ondas em sua adição infinita.
— Belo porque tem do novo a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo quando a gente o principia.
— E belo porque com o novo todo o velho contagia.
— Belo porque corrompe com sangue novo a anemia.
— Infecciona a miséria com vida nova e sadia.
— Com oásis, o deserto, com ventos, a calmaria.”

“— Severino retirante, deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender, só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é esta que vê, severina;
mas se responder não pude à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu com sua presença viva.
E não há melhor resposta que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão de uma vida severina.”

Quem quiser ler o poema todo é só clicar aqui.

Lembrei agora da escultura de Ascenso Ferreira no Cais da Alfândega (ponto de encontro das corridas dia de sábado, quando o treino é no Recife Antigo).

Ela faz parte do Circuito da Poesia, as esculturas de poetas e músicos pernambucanos que estão afixadas em pontos turísticos estratégicos na cidade.

Escultura de João Cabral de Melo Neto, na Rua da Aurora

Pra quem quiser saber quais são e conhecê-las (Circuito da Poesia - Recife):

1) Ponte Maurício de Nassau (Joaquim cardozo);
2) Praça da Independência (Carlos Pena Filho);
3) Pátio de São Pedro (Francisco Solano Trindade);
4) Casa da Cultura (Luiz Gonzaga);
5) Praça Maciel Pinheiro (Clarisse Lispector);
6) Rua da Aurora (Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto);
7) Rua do Sol (Capiba);
8) Pátio do Sebo (Mauro Mota);
9) Cais da Alfândega (Ascenso Ferreira);
10) Rua da Moeda (Chico Science);
11) Rua do Bom Jesus (Antônio Maria)

"Morte e Vida Severina" tem como subtítulo "Auto de Natal Pernambucano" e tem inspiração nos autos pastoris medievais ibéricos, além de espelhar-se na cultura popular nordestina.
O livro apresenta um poema dramático, escrito entre 1954 e 1955 e relata a dura trajetória de um migrante nordestino em busca de uma vida mais fácil e favorável no litoral, seguindo a trilha do rio Capibaribe. Quando atinge o Recife, depois de encontrar muitas mortes pelo caminho, desengana-se com o sonho da cidade grande e do mar.

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